Um poema para a turma do jazz

Nei Lopes continua comemorando os seus 80 anos em grande estilo. Por exemplo, lançando em 2023 mais um livro: uma coleção de poemas com o título de OITENTÁCULOS (Ed. Record). E deste livro vem este poema, que ele dedicou ao Comendador Albuquerque e a todos os admiradores do jazz. É um poema meio noir, black e macabro, do jeito que a gente gosta.

LENDAS SUB-URBANAS / 6

Renomado cirurgião

Cientista e voduísta

O doutor Lewis Washington Brown

Nutria

Com doses cavalares de orgulho e preconceito

Um ódio musical letal

Contra o rutilante metal

Do sax-barítono de seu filho carnal

Fletcher Hendersen Brown.

E isto apenas porque

O particular instrumento, a seu juízo,

Ocupava o degrau

Mais baixo  da família

Concebida e criada

Pelo belga Antoine Joseph (dito Adolphe)

Sax,

Para o jovem Brown,

Bom músico, bom moço, bom filho,

A voz do instrumento

Era mais doce que a mais aveludada

Voz humana

Independentemente de sexo, gênero ou afinação.

Mas o pai

Na voz  ouvia o rugir de todos os zumbis

Inclusive os da Ku Klux Klan

Como prenúncio

De ações, eventos e acontecimentos

Maléficos/ catastróficos

Disfarçados em complexos acordes

Dodecafônicos.

Na defesa da prole

E da própria pele,

Um belo dia o doctor

Lewis Washington Brown

Respeitado cientista/voduista

Trancou com cadeado, jujus 

Alguns brownies,

E uma Pepsi-Cola tamanho família.

O jovem músico mal-aventurado

Na minúscula edícula

Da propriedade rural ancestral

Em Ruston. Louisiana.

Passados três quatro cinco dias

Noite alta, céu tristonho

Da cenográfica varanda

Que um dia o vento levaria

Doctor Brown acordou

Com pungentes gemidos

Vindos do barítono sax

Pendurado  na porta da cela

Pedindo chorando implorando

Pra entrar.

O médico foi até lá, chegou, abriu a porta

Mas de Fletcher H. Brown seu filho

Só restava o esqueleto

Semi-encoberto

Por fusas, semifusas e colcheias

Num design evocativo

Do abjeto pavilhão do Exército

Confederado.

Triste mortalha!…

Em BG,

Gemidos, ganidos, latidos, sentidos

Com que ele, o presente instrumento

Tentava sem sucesso

Executar

Um solo de Solitude

Obra-prima do imortal Edward Kennedy Ellington,

O Duke Ellington.

2 respostas em “Um poema para a turma do jazz

  1. Que maravilha Nei querido! O Paulinho, vulgo “papai”, certamente curtiu muito depois de ter lido. Obrigado sempre pelo carinho e lembrança dele.

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